Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá
Desta vez, achei melhor deixar a reflexão sobre a Campanha da Fraternidade, que iniciamos na Quarta Feira de Cinzas, para o Segundo Domingo da Quaresma. O evangelho da Transfiguração do Senhor é sempre um convite a mudar a nossa vida, a nos deixar iluminar pela luz do Crucificado-Ressuscitado para sermos, por nossa vez, mais luminosos lá onde somos chamados a testemunhar a nossa fé. O brilho dos discípulos de Jesus passa, sem dúvida alguma, pela compaixão e a misericórdia. Não é por acaso que no cartaz da CF, deste ano, é facilmente reconhecível a presença da Irmã Dulce, agora proclamada santa, no meio de crianças, pobres e doentes. O “anjo bom da Bahia” continua a espalhar a luz do seu exemplo para que outros não só continuem a obra por ela iniciada, mas, também, abram novos caminhos para socorrer os caídos à beira das estradas da vida. Nós não vamos repetir o que ela fez, mas podemos aprender com o seu desprendimento, carinho e determinação.
A Palavra motivadora da CF 2020 é tirada da parábola do Bom Samaritano e o tema é: Fraternidade e vida: dom e compromisso. O Texto Base, que a Equipe da CNBB, nos oferece, segue o esquema tradicional, do ver, julgar e agir e é muito fácil perceber os passos a serem dados. Basta lembrar o texto da parábola. Todas as três pessoas que passaram “viram” o homem caído no chão, mas somente uma, o samaritano, depois de ver, teve compaixão, ou seja, se deixou tocar no íntimo pela situação desesperadora do homem. A primeira coisa que precisamos resgatar é aprender a ver o sofrimento das pessoas. Através dos nossos próprios olhos ou pela abundância das informações, tomamos conhecimento de muitas situações difíceis e injustas. O que sentimos? Podemos passar adiante, encontrar alguma desculpa mais do que compreensível, ou “sentir compaixão”. Esta, de fato, é a nossa maneira de julgar as mais diversas circunstâncias. Se chegamos à conclusão de que não temos nada a ver, é mais fácil silenciar a nossa consciência e apagar tudo da nossa memória. Ao contrário, podemos nos deixar alcançar pelas condições precárias de tantos nossos irmãos e irmãs. Nós cristãos deveríamos ser muito bem treinados na “compaixão”. A escuta da Palavra do Senhor e a Eucaristia são sempre a memória viva do seu amor e da sua vida doada até o fim. Portanto…Como é possível continuar indiferentes, jogar a culpa nos outros e não fazer nada? Deveríamos sentir uma saudável e amorosa inquietação e sermos impelidos por ela a agir.
O Bom Samaritano se envolveu com a situação do homem desafortunado ao ponto de carregá-lo e pagar para que fosse atendido. É o que cabe a todo ser humano que se sente ligado aos seus semelhantes com laços de fraternidade e solidariedade. Todos podemos fazer algo para amenizar o sofrimento alheio, dentro das nossas condições e responsabilidades. Para nos ajudar ainda mais, a CF, com o seu tema, lembra-nos que a vida, inclusive a nossa, é um dom que recebemos em comunhão com a vida dos demais seres existentes e devemos zelar por ela, porque estamos mais interligados do que pensamos.
A qualidade da vida melhora se, de fato, fica mais promovida, digna, saudável e respeitada para todos. Todo enriquecimento realizado às custas do sofrimento, marginalização ou exclusão de outros irmãos é injusto e desumano. Pode engordar a nossa conta no Banco, mas insensibiliza a nossa consciência e empobrece a inteira família humana. Por fim, o texto da CF deste ano nos lembra que, em nossa passagem neste mundo, partilhamos a casa comum, moramos no mesmo planeta, unidos com laços de vida, ou de morte, com a inteira Criação. O ser humano precisa da natureza, dos seus frutos e dos seus dons. Todos temos o compromisso sério de respeitar as demais criaturas e deixar o ambiente capaz de acolher e sustentar as novas gerações que sempre chegam, também quando nós partimos. Aprendamos a ver o tamanho das rachaduras da nossa Casa Comum, a avaliar a gravidade das doenças do nosso Planeta, para ter compaixão e agir. Antes que “mais tarde, seja tarde demais”.