Artigo de dom Pedro Conti: Bem-aventurada aquela que acreditou

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Reflexão para o Domingo da Assunção de Maria

| Por dom Pedro José Conti – Bispo de Macapá

Certo dia, um ancião foi se encontrar com outro ancião. Este disse a seu discípulo:

Prepara um pouco de lentilhas! Ele preparou.
– Ensopa-as com pão. Ele ensopou. Permaneceram até o dia seguinte, à hora sexta, falando de coisas espirituais.

Então, o ancião disse a seu discípulo: Prepara-nos um pouco de lentilhas, meu filho! E ele: Estão prontas desde ontem. Então comeram.

Nem vamos perguntar como estava a comida preparada no dia anterior. O que interessa é que os dois, falando de coisas espirituais, esqueceram-se da sopa de lentilhas. Será que o assunto era tão interessante assim? Com certeza devia sê-lo bastante para eles, ao ponto de nem mais sentirem fome. Sem dúvida, eles buscavam um alimento diferente.

No domingo da Solenidade da Assunção de Nossa Senhora, somo convidados a olhar mais para o alto; não para ver o sol, a lua ou as estrelas, mas para elevar o nosso pensamento e o nosso coração a assuntos e reflexões mais espirituais e menos materiais. Fique claro que apontar “ao céu” é uma maneira de falar, Deus não pode estar num lugar só, porque se ali estivesse, não estaria em outro e assim teria algum limite. É melhor pensar que Deus não esteja em nenhum dos lugares que conseguimos imaginar, porque ele é e dá o sentido a tudo o que existe. Ele é “grande” não porque abarca tudo, mas porque toda a criação lembra a sua beleza e majestade. Ele não tem começo e nem fim, não porque as nossas medidas sejam curtas, mas porque o seu amor vai além de tudo e de todos. Deus é o Outro, o diferente, aquele que nunca desiste de nos surpreender. Ele é o Tudo que não se pode prender, mas que, amorosamente, se deixa encontrar. É o Amor que liberta e salva, a Vida que dá vida.

Onde está Deus, então? Ele está mais perto do que pensamos. Está onde nós, pela fé e a oração, o deixamos entrar. Ele prometeu que ia permanecer, habitar, no coração dos que o acolherem e amarem (Jo 14,23) e ensinou que os verdadeiros adoradores o adorariam em “espírito e verdade”. Quer estar no segredo do coração de cada um, não mais “fechado” num templo aqui ou acolá (Jo 4,23). 

Demorei para dizer tudo isso e não disse quase nada. As nossas palavras nunca poderão explicar o inexplicável. Contudo, perante Deus, não é vergonhoso balbuciar como crianças que não sabem se expressar. Melhor ainda se ficarmos em silêncio, só para escutar bem o que ele tem para nos dizer.  O povo cristão demorou séculos para aprimorar a sua fé e chegar a acreditar na participação extraordinária de Maria na glória do céu junto ao próprio Filho Jesus ressuscitado e glorioso. Foi a forma mais simples e imediata que o povo encontrou para lembrar e manter vivo o desejo de Deus, para não esquecer nunca a meta de toda existência, de todo sofrimento e de toda bondade.

Acreditar no que virá – o encontro com Deus – não é alienação. Ao contrário, é ter coragem de ir além das circunstâncias, “esperando contra toda esperança” (Rm 5,18) como fez Abraão que acreditou nas promessas de Deus. É a nossa visão que está ficando curta; só enxergamos o imediato, o vantajoso, o que se pode medir e contar. Estamos ficando presos nas obras de nossas mãos e da nossa inteligência. Pobres de nós! Contemplamos extasiados a nós mesmos. Estamos sempre insatisfeitos. Por que não admitimos que a vida e o seu sentido não podem ser somente isso: nós e basta? Deve ter algo maior; a vida deve ir além do breve momento que passamos. Isabel disse a Maria: “Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido o que o Senhor lhe prometeu” (Lc 1,45). Não diz que Maria viu, mediu, avaliou, planejou, se encheu-se de soberba. Não! Disse que ela era feliz porque tinha confiado em Deus, muito além do seu simples e humano projeto de vida. Assim, todas as gerações chamarão de “bem-aventurada” a humilde serva do Senhor. Foi Jesus glorioso que tornou grande a pequenez de Maria. É a nossa pequena confiança em Deus que faz grandes os pequenos gestos de amor, que nos liberta da mesquinhez do nosso inútil orgulho. Vale a pena olhar mais para o céu, também se a sopa de lentilhas pode esfriar.       

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