Reflexão da Liturgia da Palavra de Domingo – Pe. Joseph Kouadio
|MACAPÁ (AP) | Por Padre Joseph Kouadio*
A liturgia de hoje fala-nos, mais uma vez, de um Deus que ama e cujo amor nos desafia a ultrapassar as nossas justiças que nos escravizam para chegar à vida nova, à ressurreição. O Evangelho diz-nos que, na perspectiva de Deus, não são o castigo e a intolerância que resolvem o problema do mal e do pecado; só o amor e a misericórdia geram ativamente vida e fazem nascer o homem novo e a mulher nova. É esta lógica – a lógica de Deus – que somos convidados a assumir na nossa relação com os irmãos e irmãs.
Temos, hoje, diante de Jesus uma mulher que, de acordo com a Lei, tinha cometido uma falta que merecia a morte. Para os escribas e fariseus, trata-se de uma oportunidade de ouro para testar a ortodoxia de Jesus e a sua fidelidade às exigências da Lei; para Jesus, trata-se de revelar a atitude de Deus frente ao pecado e ao pecador.
Apresentada a questão, Jesus não procura branquear o pecado ou desculpabilizar o comportamento da mulher, não. Ele sabe que o pecado não é um caminho aceitável, pois gera infelicidade e rouba a paz. No entanto, também não aceita pactuar com uma Lei que, em nome de Deus, gera morte. Diante da situação, Ele fica em silêncio durante uns momentos e escreve no chão. Finalmente, convida os acusadores a tomar consciência de que o pecado é uma consequência dos nossos limites e fragilidades e que Deus entende isso: “quem de vocês estiver sem pecado, atire a primeira pedra”. E continua a escrever no chão, à espera que os acusadores da mulher interiorizem a lógica de Deus – a lógica da tolerância e da compreensão. Quando eles se retiram, pois tomaram consciência da própria fragilidade, Jesus nem sequer pergunta à mulher se ela está ou não arrependida: convida-a, apenas, a seguir um caminho novo, de conversão, de liberdade e de paz (“vá e não volte a pecar”).
O nosso Deus funciona na lógica da misericórdia e não na lógica da Lei; Ele não quer a morte daquele que errou, mas a sua plena libertação. Nesta lógica, só a misericórdia e o amor se encaixam: só eles são capazes de mostrar o sem sentido da escravidão e de soprar a esperança, a ânsia de superação, o desejo de uma vida nova. A sua força não está no castigo, mas no amor.
No nosso mundo, o fundamentalismo e a intransigência falam frequentemente mais alto do que o amor: mata-se, oprime-se, escraviza-se em nome de Deus ou da religião; desacredita-se, calunia-se, em razão de preconceitos; marginaliza-se em nome da moral e dos bons costumes. Esta lógica leva-nos a algum lugar? A intolerância já gerou alguma coisa, além de violência, de morte, de lágrimas, de sofrimento?
Quantas vezes nas nossas comunidades, setores ou paróquias a absolutização da lei causa marginalização e sofrimento do outro? Quantas vezes se atiram pedras aos outros, esquecendo os nossos próprios telhados de vidro? Quantas vezes marcamos os outros com o estigma da culpa e queimamos a pessoa em “julgamentos sumários” sem direito a defesa? Esta é a lógica de Deus? O que nos interessa: a libertação e vida do nosso irmão ou irmã, ou o seu afundamento e morte?
Neste caminho quaresmal, há duas coisas a considerar: Deus desafia-nos à superação de todas as realidades que nos escravizam e sublinha esse desafio com o seu amor e a sua misericórdia; e convida-nos a despir as roupagens da hipocrisia e da intolerância, para vestir as do amor.
Bom domingo e boa meditação!!!