Reflexão para o 24º Domingo do Tempo Comum | 11 de setembro 2022 – Ano “C”
Por Dom Pedro José Conti
Uma criança foi obrigada a usar óculos. Um colega lhe disse:
– Não está zangado por ter que usar óculos?
– Não, se forem como aqueles que usa a minha vovó – respondeu o menino – Minha mãe diz que ela consegue sempre ver quando as pessoas estão cansadas ou tristes. Logo ela percebe se você precisa de ajuda. Mas a coisa melhor é que a vó consegue ver alguma coisa boa em cada um. O pequeno continuou: Certo dia, perguntei à minha vó como é que ela conseguia ver todas aquelas coisas e ela me respondeu que isso aconteceu quando tinha ficado velha. Por isso, tenho certeza de que a culpa deve ser dos óculos que ela usa!
Na forma mais comprida do evangelho de Lucas, deste domingo, encontramos todo o capítulo 15 com as três parábolas da misericórdia. A mais conhecida é a do pai e dos dois filhos, um dos quais saiu de casa e gastou toda a parte da herança dele. Quando o dinheiro acabou, passou fome e resolveu voltar nem que fosse para ficar como empregado na casa do pai. Estava bem consciente que não mereceria nada mais. Supreendentemente, porém, o pai correu ao encontro dele e mandou fazer festa porque o filho perdido, enfim, tinha sido encontrado. Diferente foi a atitude do outro irmão, aquele que nunca saiu de casa. Não entendeu o porquê de tamanha alegria do pai.
Em todas as três parábolas algo, ou alguém, se perde: uma ovelha, uma moeda e um filho. No final, tudo o que estava perdido é encontrado e tudo acaba em festa. No entanto, há uma diferença muito interessante. É o pastor quem procura a ovelha até encontrá-la. É a mulher que varre a casa até encontrar a moeda. Mas o pai não sai atrás do filho. Aguarda ansioso a volta dele e, assim, consegue enxergá-lo “quando ainda estava longe”. A motivação desta atitude do pai é a mesma que o fez dividir a herança: o respeito pela liberdade do filho! Este não foi obrigado a sair e não será obrigado a voltar. Precisou antes “cair em si”, refletir, sentir a falta da casa do pai. Absolutamente soberana é também a liberdade do pai da parábola que se deixa tocar pela compaixão. Não tem nenhuma lei que o obrigue a perdoar. Isso porque a misericórdia, como o amor, somente tem valor e sentido se for oferecida com o coração livre de todo julgamento e rancor. O filho mais velho da parábola não entende o perdão ao irmão, porque reconhece o pai como um patrão exigente que o faz trabalhar e não como alguém que já o considera dono de tudo o que tem. Esse filho vive o seu ficar em casa como uma obrigação, um peso, sem liberdade, com submissão e tristeza. Saberá, um dia, fazer como o pai e abraçar o seu irmão?
Talvez com essas considerações, eu esteja respondendo a uma antiga questão: por que Deus não nos obriga a fazer somente o bem e nos deixa errar, pagando muito caro as consequência do nosso mal? Com certeza, não é porque não nos ama ou não se interessa por nós. A vida, a paixão e a morte de Jesus nos revelam um Deus que está do lado dos sofredores, solidário com os enfermos e os leprosos da história. Inocente, ele aceita ser condenado como malfeitor para denunciar todas as falsas “justiças” praticadas com a força de leis injustas ou de uma religiosidade que funciona só com o rigor das normas.
Nós, cristãos, acreditamos num Deus que respeita tanto a nossa liberdade a ponto de passar ele mesmo por mau, indiferente e insensível. Se Deus fosse assim não mereceria ser amado. Por isso, muitos não o conhecem bem e o substituem com os seus próprios interesses, as suas ideologias, os ídolos que estão na moda. Talvez chamem isso de liberdade; de fato estão trocando um Deus Amor consigo mesmo, o seu orgulho, o seu poder. O Deus das parábolas da misericórdia nunca desiste da busca do ser humano, até encontrar a ovelha e a moeda perdidas. Contudo, o amor é sempre um encontro entre aqueles que se amam. Precisamos nos deixar encontrar por ele, desistir de nos esconder por medo ou atrás de desculpas mesquinhas como a nossa tranquilidade e o nosso bem-estar. O Deus, Pai de Jesus, nos ama como filhos, também se andamos longe e escondidos. Ele sempre vê o bem que está em nós. E não precisa dos óculos da vovó.