Reflexão para o 29º Domingo do Tempo Comum | 16 de outubro 2022 – Ano “C”
Por Dom Pedro José Conti
Certo dia, nos anos sessenta do século passado, no auge do movimento hippie, o arcebispo Fulton Sheen cruzou com um deles. O rapaz estava deitado no chão, maltrapilho, barba e cabelos compridos. Quando viu passar o religioso, que era famoso pelos seus programas televisivos, o hippie lhe disse:
– Reverendo, o senhor ainda acredita em Deus? São dois mil anos que existe o cristianismo e veja em quais condições se encontra o mundo! O bispo, com a sua calma costumeira, respondeu-lhe:
– Há três mil anos existe o sabão e veja em que situação você se encontra. O hippie deu uma risada e acrescentou:
– A questão é que eu não uso sabão. Dom Fulton respondeu:
– É o que acontece no mundo: não estamos usando o Evangelho!
No evangelho de Lucas, deste domingo, encontramos uma parábola que Jesus contou para “mostrar a necessidade de rezar sempre e nunca desistir” (Lc 18,1) e duas perguntas que nos devem preocupar. A primeira é sobre a capacidade de Deus de satisfazer os pedidos dos seus “escolhidos” e a segunda, muito séria : “Mas, o Filho do Homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?” A parábola conta o caso de uma viúva que pedia justiça a um juiz. Nada mais comum. A quem pedir justiça se não aos juízes? No entanto esse juiz não praticava de jeito nenhum aquela, que nós pensamos, deveria ser a justiça. Era um juiz corrupto que “não temia a Deus e não respeitava homem algum” (Lc 18,2). No entanto a viúva nos é apresentada como uma pessoa tão insistente na sua cobrança que acaba vencendo a indiferença do juiz. A pobre mulher, sem força e poder algum, consegue do juiz aquilo que nenhuma lei o obrigava a cumprir.
O comentário do evangelho à parábola é simples: se até o juiz injusto, afinal, fez justiça para a viúva perseverante, quanto mais o próprio Deus “fará justiça aos seus escolhidos, que dia e noite gritam por ele?”(Lc 18,7). Entendemos também que a “justiça” em questão não é simplesmente uma controvérsia, que deve ser resolvida na base de leis humanas, mas o próprio amor de Deus que torna o ser humano, que acredita e confia nele “justo” e bom, capaz de fazer o bem e vencer as armadilhas do mal. Nesse sentido, a insistência na oração revela a plena confiança do crente naquele Deus ao qual apresenta o seu pedido. Igualmente, “nunca desistir” da oração que manifesta a certeza da bondade de Deus, também se a demora na resposta pode gerar dúvidas e ser capaz de abalar qualquer relacionamento.
Acreditar não significa simplesmente acolher um conjunto de doutrinas para que as guardemos em nossa memória. Ter fé, mesmo, é experimentar um relacionamento com a pessoa de Deus, com Jesus, como alguém que nós admiramos, que nos atrai a ponto de nos sentirmos familiares, amigos, amados por ele. Assim podemos entender a pergunta final de Jesus, sempre desafiadora para nós. A questão não está em saber “quando o Filho do homem vier”. Ele já veio e sempre vem, todo dia e de muitas formas bate à porta da nossa vida e pede para deixá-lo entrar. Ele nos fala com a sua palavra, pede ajuda com a voz e o grito dos pobres. Questiona-nos no segredo da nossa consciência quando conseguimos cair em nós mesmos e temos a coragem de procurar respostas às grandes perguntas da vida. A fé verdadeira é para a nossa vida inteira, não se deixa enfraquecer e nem surpreender pela demora, supera a prova do tempo, das decepções nossas e dos outros.
Não podemos saber se o Filho do homem encontrará a fé sobre a terra quando vier, mas podemos saber de nós, se nos encontrará acordados ou adormecidos, atentos ou distraídos, ativos ou parados. O que podemos fazer, todos juntos, é nos ajudarmos a não desanimar, a nos levantarmos quando caírmos, a carregar quem não consegue mais andar sozinho. A fé verdadeira nunca é uma experiência individual. Alguém nos ajudou a encontrá-la, outros a mantê-la viva, outros ainda nos exortam a testemunhá-la. Três mil anos de sabão de nada serviram para limpar quem não queria. Em dois mil anos, a fé cristã transformou a vida de tantos. Agora é a nossa vez de provar que praticamos o Evangelho.