Reflexão para a Solenidade de Cristo Rei do Universo | 20 de Novembro 2022 – Ano “C”
Por Dom Pedro José Conti
O Doutor Ricardo Botifoli Riu (1917-2001), médico-pneumologista, barcelonês, exerceu suas funções durante oito anos em um hospital para tuberculosos em Barcelona, para, em seguida, ingressar como irmão na Ordem de São João de Deus. Ele fundou e dirigiu um hospital em Lunsar, Serra Leoa, um dos países mais pobres do mundo. Numa entrevista contou: “Um dia tivemos duas urgência muito graves. Necessitava de sangue para a segunda cirurgia. E não tinha. Acabei a primeira intervenção tão rapidamente quanto pude. Estirei-me de imediato na cadeira e pedi que me extraíssem o sangue. Logo após, atendi a segunda urgência. Enquanto faziam a transfusão de sangue no paciente, eu intervinha cirurgicamente. Tudo terminou bem”. O irmão-médico Ricardo sofreu dermatite oncológica nas mãos, causada pelos raios X. Ele dizia que “havia feito cerca de 150 mil radioscopias no decurso de sua vida”. Tiveram que lhe amputar três dedos da mão direita e, posteriormente, sofreu outras amputações de ambas as mãos. Dizia: “Se a cada mil radioscopias, somente uma tivesse servido para salvar uma vida, não valeu a pena ter perdido meus dedos?”
Chegamos ao último domingo do ano litúrgico e celebramos a solenidade de “Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo”, um “rei”, bem sabemos, todo especial. O evangelho de Lucas nos apresenta Jesus na cruz no meio de dois malfeitores condenados à mesma pena cruel. Um letreiro, talvez pendurado no pescoço dele, dizia: “Este é o Rei dos Judeus”. Sem nome. Significa que Lucas quis chamar a atenção sobre o título: “o rei”. Para esse evangelista Jesus é “o rei” desde o início até o fim. Na Anunciação, o anjo diz a Maria: “Deus lhe dará o trono de seu pai Davi…e o seu reino não terá fim” (Lc 1,32). Somente neste evangelho, na entrada em Jerusalém, Jesus é aclamado como “rei” (Lc 19,38). Na frente de Pilatos que pergunta: “Tu és o Rei dos Judeus?”, Jesus responde: “Tu o dizes” (Lc 23,3). Por fim, é o malfeitor, que chamamos de “bom ladrão”, a proclamar Jesus “rei” com as palavras: “…lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado” (Lc 23,42). Surge a pergunta: que rei é esse, crucificado, derrotado, abandonado?
Para quem julga as pessoas pelo sucesso, o enriquecimento e o poder, os reis e as rainhas são outros. São os aclamados, os bem-sucedidos, aqueles e aquelas que moram nos palácios e nas mansões, que se podem permitir qualquer luxo e capricho, os mais invejados deste mundo, porque juntaram fortunas. É assim mesmo: os poderosos deste mundo juntam riquezas para si. Jesus é diferente. É rei não porque acumula, mas porque doa tudo o que tem e tudo o que é. A única coisa que ele tinha e que podia dizer que era mesmo “sua” foi a vida. Nós, que procuramos ser discípulos dele, acreditamos que Jesus doou sua vida, porque foi fiel até o fim à missão de fazer conhecer um Deus Pai que também é somente dom, misericórdia, compaixão, amor: um Deus que doa, antecipadamente, e não fica cobrando uma resposta.
Ele aguarda que o saibamos reconhecer como o verdadeiro doador dos dons que nos dá, todos os dias, junto com a nossa própria vida: o mundo no qual vivemos e tantos bens materiais necessários para viver, mas, sobretudo, ele nos dá a possibilidade de nós também o amarmos, amando os irmãos, praticando o único e decisivo mandamento do amor. Igualmente, podemos dizer que Jesus deu tudo o que ele foi neste mundo, porque não distribuiu somente pão, saúde, perdão, esperança e vida: ele deu a si mesmo, as suas palavras, o seu exemplo, o conhecimento do Pai. Jesus nos abriu o caminho para chegarmos ao mistério de Deus, porque, se “Deus é amor” (1Jo 4,7-8), somente pode ser reconhecido e encontrado amando e doando o que temos e o que somos.
Não basta gritar e repetir que Jesus é o nosso “rei” como um qualquer refrão estrondoso, precisamos prová-lo com a nossa fé e a nossa vida. O que estamos dispostos a doar, afinal? Quantos dedos das nossas mãos? Quanto do nosso sangue? Quanto do nosso tempo? Tanto ou pouco, de fato, doamos aos irmãos o que antes de Deus recebemos (1Cor 4,7). Quase uma “devolução” ao Rei, cheia de amor e gratidão.