Porventura, também nós somos cegos? (Jo 9,40)

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Reflexão para o 4º domingo da Quaresma| 19 de Março 2023 – Ano “A” 
Por Dom Pedro José Conti
O evangelho do Quarto Domingo de Quaresma, deste ano, é a página  do “cego de nascença” que Jesus cura. É também o trecho do evangelho de João escolhido para o segundo Escrutínio dos catecúmenos,  que se preparam para o Batismo na noite de Páscoa. Continuamos, portanto, a nossa reflexão sobre a possibilidade que temos de repensar e reavaliar o nosso próprio Batismo.
Em primeiro lugar, volta o sinal da água. Jesus toma a iniciativa e, depois de ter feito lama com a saliva e tê-la colocado nos olhos do cego, manda-o lavar-se na piscina de Siloé. O homem obedeceu e “voltou enxergando” (Jo 9,7). Depois disso, podemos dizer que assistimos a uma verdadeira confusão. Três questões são discutidas: a pessoa que agora enxerga é a mesma de antes ou é outra? Como conseguiu a vista? Por obra de quem? Os vizinhos, os pais, os fariseus e, evidentemente, o próprio cego, que agora enxerga, estão envolvidos na busca de uma resposta que está mais do que clara, mas ninguém quer admitir e declarar. Os pais do homem se esquivam de responder por medo das autoridades judaicas, e essas apelam às normas da Lei para não reconhecer aquela cura extraordinária, porque aconteceu em dia de sábado. O único que defende Jesus e o chama de “profeta” é o homem que agora enxerga e começa a entender as coisas melhor do que os demais. Ele responde aos questionamentos, repete o seu relato, ironiza a incapacidade dos judeus de dar uma explicação ao acontecido e, por fim, afirma que quem o curou só podia ser um enviado de Deus. A consequência da sua ousadia é imediata: é expulso da comunidade. Contudo, não fica desamparado por muito tempo. Logo acontece um novo encontro com Jesus.
O que está em jogo agora, porém, não é mais simplesmente a vista dos olhos, mas a possibilidade de acreditar, ou seja, de “ver” em Jesus, o Filho do Homem, aquele que ensina e abre uma nova visão de Deus para aqueles que estão dispostos a acolhê-lo. De fato, essa página do evangelho iniciou com a questão do pecado como causa da cegueira daquele homem. No final,  fica claro que o verdadeiro pecado e a verdadeira cegueira são daqueles que continuam não querendo reconhecer Jesus e, assim, não fazer a profissão de fé como a faz, em adoração, o homem curado: “Eu creio, Senhor!”(Jo 9,38).
Na Carta aos Hebreus lemos: “A fé é fundamento daquilo que ainda se espera e prova de realidades que não se veem” (Hb 11,1) e, falando de Moisés, diz que ele “Pela fé deixou o Egito, sem temer a ira do rei; permaneceu firme como se visse o Invisível” (Hb 11,27). Na Carta aos Colossenses, o Filho amado é declarado “a imagem do Deus invisível” (Cl 1, 15). Ou seja: a fé é uma forma de “ver” diferente de outras como, por exemplo, a vista dos olhos ou o entendimento da inteligência, quando compreendemos algo que nos parecia obscuro. Desde sempre, através das religiões, das filosofias e das ciências, a humanidade buscou explicações sobre a própria existência e, mais ainda, sobre o sentido e o valor da mesma. Podemos viver satisfeitos com as coisas materiais que vemos e constatamos, com aquilo que conseguimos explicar com os nossos raciocínios e descobertas ou reconhecer, com humildade e interesse, que a nossa realidade humana é muito mais complexa e fascinante daquilo que conseguimos explicar.
No fundo de todo coração humano tem um grande desejo de conhecer mais, de abrir horizontes e caminhos novos. Santo Agostinho já reconhecia a saudável inquietação do ser humano e afirmava que somente “Deus” pode satisfazer plenamente as nossas buscas. A fé é um “dom” que o Senhor quer nos dar, mas que também devemos pedir e alimentar. A fé é muito mais que um conjunto de doutrinas decoradas; é a descoberta e o reconhecimento de “Alguém”, que desde sempre pensou em nós, chamou-nos à vida,  fez-se conhecer e nos convida a um encontro de amizade, alegria e de paz. O Batismo é o início desse encontro. Não somos o resultado do acaso, da “loteria genética”, das circunstâncias históricas. Somos criaturas frágeis, cheias de dúvidas e incertezas, mas muito amadas por um “Deus” vivo, que é puro amor e gratuidade. Assim, pela fé, o “invisível” se torna “visível” e amável.

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