Reflexão para a Solenidade da Santíssima Trindade | 4 de Junho 2023 – Ano “A”
Por Dom Pedro José Conti
Um irmão que morava perto de um ancião entrou na cela dele e roubou tudo o que o velho possuía. O ancião percebeu o furto, mas não reclamou com o ladrão. Tomou coragem e trabalhou mais. Ele dizia a si mesmo: “Quero acreditar que este meu irmão precise daquilo que pegou”. Trabalhou mais do que fazia de costume, comia menos e até passava fome. Quando o ancião estava perto de morrer, todos os irmãos aproximaram-se dele e o velho viu, entre eles, também o ladrão. Pediu para que esse irmão chegasse mais perto. Depois, pegou nas mãos dele e lhe disse:
– Irmão meu, agradeço estas suas mãos, porque irei para o Reino dos Céus por causa delas. Ao ouvir essas palavras, aquele irmão começou a chorar, fez penitência e se tornou um monge de comprovada virtude, seguindo o exemplo do santo ancião.
Neste domingo, celebramos a solenidade da Santíssima Trindade. Devemos reconhecer que, apesar de todos os nossos raciocínios e tentativas de explicação, sempre ficaremos longe da compreensão do grande “mistério” de Deus. Isso é bom, porque somente assim fazemos a experiência do “encantamento”, da maravilha, de reconhecer algo – e neste caso Alguém – muito maior do que nossas limitações. A nossa melhor atitude, perante a grandeza de Deus, é aquela de baixar a nossa cabeça, o nosso orgulho, para agradecer e nos deixar amar por este Deus “mistério” de amor, comunhão e misericórdia. Com isso, quero dizer que o mais importante para nós, talvez, não seja entender tudo ou simplesmente repetir que “Deus é amor” (1Jo 4,8), mas reconhecer que a realidade amorosa de Deus Trindade transbordou – se assim podemos dizer – e chegou plenamente até nós. É o que nos ensina o evangelho deste domingo: “Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito…” (Jo 3,16). E este Filho, “não veio para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3,17). Poderíamos dizer, em poucas palavras, que Deus nos amou tanto desde o início do seu projeto, quando nos criou a sua imagem e semelhança e nos entregou este planeta-jardim para que o cultivássemos na alegria e na paz. Quando, porém, ele viu que nós, os humanos, reivindicamos a autonomia para fazer o que bem queremos desse tesouro, como se fosse propriedade nossa, e começamos a brigar para tirar uns dos outros o que era de todos e a gerar morte em lugar de fazer resplandecer a vida, não nos abandonou: enviou o seu Filho. Jesus, por sua vez, teve a ousadia de apontar novos caminhos, de ensinar, com o seu exemplo, como devia ser o “Reino de Deus” e de nos revelar o verdadeiro “rosto” do Pai, amoroso com os pequenos, os excluídos, os condenados. Ele nunca mudou de discurso, não desistiu nem na hora da cruz. Mais ainda, com o dom do Divino Espírito Santo, garantiu que nunca esqueceríamos dele, das suas palavras e dos seus gestos: “Ele (o Espírito Santo) vos ensinará tudo e vos lembrará tudo o que eu vos tenho dito” (Jo 14,26).
O Deus no qual acreditamos e confiamos, Pai, Filho e Espírito Santo, nunca deixou de amar as suas criaturas, nem nos abandonou ao nosso destino de empedernidos desobedientes, mas nos amou mais, justamente quando ainda “’erámos pecadores”, como ensina São Paulo (Rm 5,8) entregando o seu próprio Filho. Impressionante, como também nós, cristãos, ficamos pensando e imaginando tantas coisas sobre Deus. Deveríamos, em primeiro lugar, reconhecer o seu amor, ficar apaixonados pela sua insistência em não querer perder nenhum dos seus filhos, sempre pronto a recomeçar tudo de novo com quem o traiu ou abandonou. Por isso, o “mandamento do amor” que Jesus nos deixou é o caminho sempre novo da nossa salvação, pessoal e de toda a humanidade. Se quisermos nos “salvar” e salvar a humanidade, o planeta-jardim, a vida de todas criaturas, precisamos agir pessoalmente e organizar a sociedade com mais generosidade. Quem não está disposto a doar mais e a se desgastar mais pelos irmãos, que talvez nem conheça, ainda não descobriu quem e como é o Deus Pai que o Filho veio nos manifestar. Surpreendente, aquele monge ancião agradeceu quem o tinha “obrigado” a amar mais.