MACAPÁ (AP) – Por Dom Pedro José Conti
Reflexão para o 4º Domingo da Quaresma| 10 de Março de 2024 – Ano “B”
No término de um jantar em um castelo inglês, um famoso ator entretinha os hóspedes declamando textos de Shakespeare. Disse que, a pedido, estava disposto a declamar outros textos. Um tímido padre sugeriu que ele declamasse o Salmo 23(22). O ator respondeu que faria isso somente se o padre, depois, também recitasse o mesmo Salmo. O padre, um pouquinho acanhado, aceitou o desafio. O ator interpretou o Salmo maravilhosamente: “O Senhor é o meu Pastor, nada me falta…”. Ao final, todos aplaudiram.
O padre, então, também começou a recitar as mesmas palavras do Salmo. Quando terminou, não se ouviram aplausos, só um profundo silêncio. Também se viram discretas lágrimas nos rostos de algumas pessoas. O ator, depois de guardar mais um pouco de silêncio, tomou a palavra e disse: “Senhoras e senhores, espero que todos tenham percebido o que aqui se passou nesta noite: eu conhecia as palavras do Salmo, mas este homem conhece o Pastor!”.
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No Quarto Domingo da Quaresma, encontramos um trecho do diálogo entre Jesus e Nicodemos que está no 3º capítulo do evangelho de João. É nesses momentos que Jesus abre o seu coração e explica muitas coisas. Ele diz que o Filho do Homem será “levantado” como naquele episódio da serpente de bronze, que encontramos no livro dos Números 21,4-9.
Quem olhava para a serpente “ardente” era curado das mordidas mortais das cobras. O ser “levantado” é uma clara referência ao levantamento na cruz. Se quisermos viver – ou ser salvos – devemos crer em Jesus, o Filho unigênito que o Pai enviou. Ao contrário, estaremos na morte – ou condenados. A “boa notícia” é que o Filho do Homem não veio para condenar o mundo, ou seja, fazê-lo ou deixá-lo morrer, mas veio para salvá-lo e todos aqueles que nele crerem terão a “vida eterna”. O “julgamento” já está acontecendo porque “a luz” – ou seja Jesus – “veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas” (Jo 3,19).
Encontramos, aqui, algumas das contraposições típicas do Evangelho de João: vida e morte, luz e trevas, salvação e condenação, verdade (bem) e “más ações” e, no “mundo”, aqueles que acreditam e aqueles que se recusam a acreditar. A mensagem do evangelho é um convite à decisão que cada um deve tomar a respeito de Jesus. Como naquele tempo, ainda hoje, ninguém está condenado ou perdido de antemão. A possibilidade de conhecer Jesus e acreditar nele é oferecida a todos, mas alguns dão a preferência às trevas e odeiam a luz.
Surge de imediato a pergunta: de qual “vida” Jesus está falando e de qual condenação? Porque com certeza todos nós, acreditando ou não, vamos morrer. É nessa altura que entra em campo a fé no Filho do Homem, não como um seguro contra a morte, porque ele mesmo irá morrer, mas como certeza de uma vida “eterna”, que somente Deus pode dar a quem acreditar e confiar nele. O mais importante da questão é entender que o “julgamento” do qual fala o evangelho não acontecerá após a nossa morte e que Jesus não está falando do céu, mas desta vida que passa. A fé não serve mais depois desta vida, porque poderemos já estar, ou não, contemplando as maravilhas de Deus.
A fé deve ser agora, já neste mundo, aquela luz necessária para que tomemos a decisão de confiar em Jesus enviado do Pai. A vida “plena”, a comunhão com Deus, no qual resolvemos acreditar, começa aqui, no nosso dia a dia, no nosso agir à luz do bem e da verdade e não na escuridão de más ações que serão desmascaradas. A “vida eterna” ou “vida plena” que Jesus promete a quem acreditar nele, não é questão de duração no tempo, mas de intensidade da fé, da esperança e do amor, que só podem aumentar ao passo que crescemos na familiaridade com ele, seguindo os seus passos e atraídos pelo seu exemplo.
Conhecer Jesus é muito mais que decorar fórmulas de fé, saber dar explicações brilhantes ou sustentar debates doutrinais. Qualquer um que tenha lido ou estudado um pouco pode fazê-lo. Crer em Jesus é arriscar sobre a sua palavra. Aprender a recitar um Salmo é fácil, conhecer e confiar no Pastor do qual o Salmo fala, é outra coisa. É uma questão de “vida”.