Artigo de dom Pedro Conti: Lição de música

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Reflexão para o 23º domingo do tempo comum

| Por dom Pedro José Conti – Bispo de Macapá

O famoso músico Franz Liszt era uma pessoa gentil por natureza, mas, em algumas ocasiões, sabia ser extremamente severo. Certa vez, um jovem músico lhe trouxe uma composição para ter a aprovação do maestro. Liszt apontou algumas notas erradas e lhe disse:

  • Isto não se pode fazer numa composição musical! Mas o jovem compositor, para vangloriar-se, respondeu:
  • Mas eu fiz! Liszt foi à escrivaninha, pegou uma caneta molhada na tinta e jogou o líquido na veste do jovem dizendo:
  • Também isto se pode fazer, mas não deve ser feito. Depois que saíram, Liszt comprou uma roupa nova para aquele jovem.

Não sei se essa foi mesmo uma correção fraterna ou um puxão de orelha. De qualquer maneira, o jovem ganhou uma roupa nova e tomara que tenha aprendido a lição. Com isso, quero dizer que a correção de quem está errado deve ser feita, é uma obrigação amorosa. Silenciar seria deixar o irmão sozinho, trilhando caminhos perigosos. Os frutos da correção, porém, dependem somente da pessoa que está sendo corrigida. Sem a colaboração de quem está errado e a disposição dele para mudar o seu comportamento, nada de melhor acontece.

Com o evangelho deste 23º Domingo do Tempo Comum, entramos de cheio na leitura do “Sermão da Comunidade”. Quando Mateus escreveu o seu evangelho tinha à sua frente uma comunidade bem precisa, feita de homens e mulheres reais com todas as qualidades e defeitos semelhantes àqueles que todos nós carregamos. Sem dúvida alguma, o batismo que recebemos, a fé em Jesus Cristo e o esforço para segui-lo deveriam nos unir mais de outros projetos de conquista, de sucesso e de lucro que têm os seus inúmeros adeptos e seguidores. No entanto, caminhamos neste mundo carregando as consequências do pecado, também se acreditamos na misericórdia de Deus e na vitória final do amor e da vida sobre o mal e a morte. A “santidade” – ou a perfeição, se isso ajuda a entender melhor – é uma meta a ser alcançada, um dom que deve ser pedido e almejado durante toda a nossa existência. Ninguém se torna “santo” de um dia para o outro, milagrosamente. Para todos é “estreita a porta e apertado o caminho que conduz à vida” (Mt 7,14). Talvez seja essa “a cruz” que somos chamados a carregar cada dia: a carga pesada das nossas limitações e dos nossos defeitos, do mal que fazemos, tantas vezes sabendo, muito bem, que estamos errados. Evidentemente, esta é uma angústia que experimentam os que buscam a “santidade”, pouco ou nada importa de tudo isso aos medíocres e aos indiferentes. Muitos de nós se conformam com o próprio jeito, exigem que sejam os outros a mudar para aceitá-los como eles são, mas dificilmente eles mesmos se esforçam para serem melhores e mais humanos.

Jesus ensina a correção fraterna para a comunidade dos seus amigos porque ele nos deseja unidos, “um só coração e uma só alma” (At 4,32), vivendo uma comunhão exemplar, cheia de misericórdia e compaixão. Isso significa a superação de todo ódio, inveja e divisão. A esperança da “santidade” pessoal se torna assim a esperança da comunidade reunida, de maneira especial quando ela escuta a Palavra do Senhor, celebra a sua memória na Eucaristia e pratica a caridade. A correção fraterna não interessa a quem orgulhosamente se acha sempre certo e somente enxerga os defeitos dos demais. Ao contrário, ela é muito preciosa para quem busca crescer na vida cristã. Sei que é muito difícil sermos agradecidos a quem aponta algum erro nosso. Logo pensamos na maldade dessa pessoa. No entanto, Jesus diz que quem faz a correção e quem a acolhe dele se tornam irmãos de verdade, amigos, unidos pela cumplicidade do bem. Precisa, porém, ser discretos, manter o segredo, nunca expor o irmão, ou a irmã, a um público que, talvez, nada sabe da situação e que vai julgar somente por conversas superficiais. A correção fraterna e comunitária são provas de amor e de cuidado para que ninguém se perca (Mt 18,14). Bem diferente de um certo uso das redes sociais…

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